A Casa dos Batistas
Os Donos da Terra
Antes da chegada dos espanhóis e portugueses ao Rio Grande do Sul, a região era habitada por povos primitivos designados equivocadamente de índios pelos europeus. Os principais grupos que aqui viviam eram: Minuano, Charrua, Tape, Coroado, Arachane e Carijó.
O norte do estado foi ocupado por um grupo de origem Gê que foi designado como Guaianás, mas também era chamado de Botocudos ou Coroados, e, por último, de Kaingángs.
Os Guaranis que habitavam os Vales do Taquari e do Jacuí eram designados de Tape. Os Guaranis do litoral norte ficaram conhecidos como Carijós e os que viviam nas áreas da várzea da Laguna dos Patos eram conhecidos como Arachane.
Os Minuanos e Charruas que viviam no sul do estado eram os dois únicos grupos autóctones da região.
A Capitania de Rio Grande de São Pedro do Sul
Em 1809, a província de Rio Grande de São Pedro era dividida administrativamente em quatro vilas: Rio Grande, Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre, sendo Gravataí uma das freguesias pertencentes a Porto Alegre. Em 1880, Gravataí é elevada à vila e sede de município e somente em 1938 é instituída como cidade.
Historicamente, Cachoeirinha integra um espaço onde a ocupação portuguesa remonta ao período colonial, mas somente nas primeiras décadas do século XIX a região foi ocupada com a instalação da “Fazenda dos Batista”.
Em 1814, João Batista Soares da Silveira e Souza, nascido na Freguesia de Nossa Senhora do Rosário da Vila de Velas, na Ilha de São Jorge, Arquipélago dos Açores, naquele momento residente na Aldeia Nossa Senhora dos Anjos, reivindicou uma sesmaria em Sapucaia, porém, recebeu uma sesmaria entre o Rio Gravataí, a estrada de Sapucaia, as terras dos Pachecos e o Arroio Brigadeiro, as quais compõem hoje aproximadamente o território e os limites do Município de Cachoeirinha.
Um Empreiteiro Açoriano
A partir de 1825, João Batista Soares da Silveira e Souza ocupou o ofício de Aprovador de Testamento da Aldeia Nossa Senhora dos Anjos. Em 1829, elegeu-se como suplente de Juiz de Paz de Gravataí, porém, com a morte do titular, assumiu efetivamente o cargo em 1833. Quatro anos depois, elegeu-se Juiz de Paz. Em 1853, tomou posse como vereador e durante seu mandato teve diversas propostas rejeitadas, entrando em atrito com a Câmara Municipal quando tentou apropriar-se de campos da Várzea do Rio Gravataí.
A partir de 1844, o Comendador Batista destaca-se como empreiteiro em diversas obras públicas, como o aterro da Praça do Paraíso, a construção da Ponte de Pedra do Riacho (Ponte dos Açores de Porto Alegre), do prédio da Bailante, do Teatro São Pedro, da Casa de Correção e de outras obras particulares importantes como o edifício Malakoff, que foi o primeiro prédio de quatro andares de Porto Alegre.
A principal obra construída na Aldeia Nossa Senhora dos Anjos foi a ponte de pedra em estilo açoriano com três vãos sobre o Rio Gravataí, por volta de 1845, ligando sua propriedade e toda região a Porto Alegre. Em 1917, a ponte de pedra foi dinamitada pela Companhia de Navegação Fluvial e Lacustre, melhorando a navegação no Rio Gravataí. A pedra que formava uma pequena cachoeira na época de seca, originou o nome da cidade, também foi dinamitada. Oito anos depois foi inaugurada a Ponte de Ferro, a qual daria lugar a uma nova ponte de concreto somente na década de 70.
O Comendador João Batista Soares da Silveira e Souza foi casado com Dona Maria Baptista Felícia da Silveira e Souza, depois com Dona Joaquina de Jesus. Em 16 de março de 1870, o Comendador João Batista Soares da Silveira e Souza faleceu sem deixar filhos, legítimos ou ilegítimos, por isso deixou sua fazenda no Vale do Gravataí para usufruto dos seus dois sobrinhos: 2/5 das terras para o Coronel João Baptista Soares da Silveira e Souza, e 3/5 das terras para José Baptista da Silveira e Souza, conforme testamento na página seguinte - “A herança do colonizador”.
Em 1923, o Coronel João Baptista Soares da Silveira e Souza faleceu, porém a execução de seu testamento dependia do trabalho de medição de suas terras, o que ocorreu somente entre janeiro de 1929 e abril de 1934, sendo este trabalho coordenado pelo Major Engenheiro Tito Marques Fernandes. A partilha da Fazenda dos Batista, bem como outras terra contíguas que foram adquiridas pelo Coronel João Baptista Soares da Silveira e Souza entre 1872 e 1913, teve seus quinhões definitivamente distribuídos entre Lydio Baptista, Carlos Wilckens, João Brochado Smith, Francisco Martins e Melania Vieira Soares. A formação da Vila de Cachoeirinha, e depois a cidade, ocorreu devido ao processo de fragmentação da Fazenda do Coronel João Batista.
A Herança do Colonizador
“Em nome da Santíssima Trindade
Eu João Batista Soares da Silveira e Souza na cidade de Porto Alegre morador no primeiro distrito da Freguesia de Nossa Sra dos Anjos, ordeno o meu testamento pela na missa seguinte. Sou natural da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário termo da Villa das Vellas da Ilha de São Jorge, filho legitimo de Manoel Silva Soares e de Catharina de Jesus. Fui casado em primeiras núpcias com Dona Maria Baptista Felícia da Silveira e Souza, e em segunda com D. Anna Joaquina de Jesus, não tenho filho legitimo, nem ilegítimos e todos os meus ascendentes são hoje falecidos, e por iss posso livremente dispor de meus bens. Por morte de minhas consortes de quem fui herdeiro e testamenteiro; i e das [...] somente da terça, casa [...] os testamentos de q dei contas em juízo, assim como das tutorias q tive a meu cargo o q a mínima omissão e toda reclamação q a este respeito aparecer é fala. O meu enterro será feito sem ostentação. No dia do meu falecimento se for possível e em todos os outros se celebrarão Missas por minha alma as que de poder em dizer até o septimo dia. Celebrar-se hão mais quatrocentos missas a saber”
“cem pelas almas de meus pais e de meus dois tios O Sr Matheus da Silva e Souza e Frei João Baptista, cem pelas almas de minhas mulheres, cem pelas almas de meus escravos, e cem por minha alma, todas de esmola de costume. Entregarei a nossos afilhados João e Maria os três escravos que lhes damos, substituídos por outros é muito sabido .
Deixo libertos os meus escravos Severino crioulo com direito aos meus bens que possue com minha licença, e uso fruto do sitio e campo entre a estrada geral antiga que segue do Barnabé para a Brigadeiro e pela entrada da cidade do Boqueirão até a encruzilhada que segue em duas estradas, uma para o Bernabé, outra para Itacolomi e Sapucaia, e pela estrada que segue para Sapucaia devidindo-me do campo que foi do contrato, em quanto lhe viver. Deixo libertos os escravos João e sua mulher Isabel e dez mil réis mensais por toda a sua vida. Deixo os crioulos Constantino, e Delfina para servirem a meus herdeiros quinze anos servindo bem, e servindo mal, o dobro do tempo. Deixo minha escrava parda de nome Rosa o uso fruto das minhas casas citas na rua do Senhor dos Passos e beco do Rosário com obrigação de suprir em tudo repartidamente a sua mãe, a minha escrava Joaquina, e o meu escravo”
“Severino, e por morte dos três nomeados ficará as ditas casas pertencendo aos filhos, que ela tiver e se falecer sem filhos depois da morte da dita parda Rosa que agora deixo liberta, de sua dita mãe a escrava Joaquina que deixo liberta e do escravo Severino acima liberto passarão as ditas casas para meus herdeiros.
Deixo liberta a parda Leopoldina. Deixo para servirem meus herdeiros até completarem vinte e cinco anos, mais dês anos, servindo mal, as duas pardas Rafaela e Cíntia, Justiniana crioula, Virgilina, Inocencio, Clara e João pardos, e José crioulos. As crias dessas escravas servirão somente vinte e cinco anos para receberem educação e pagarem a criação. O pardo Felisbino, e o crioulo Manoel Maria servirão meus herdeiros vinte anos, e servindo mal servirão trinta anos. O pardo Bernardo filho da escrava Joaquina servirá tão bem aos meus herdeiros como os acima vinte e cinco, ou trinta e cinco anos. A crioula Anna fica liberta. Deixo a cada hum de meus afilhados de batismo cem mil. Deixo a minha afilhada Inocencia filha de meu compadre Jose Silveira Soares de Bitencurt”
o uso fruto do sitio em q por sua mora seus Paes e por sua morte a seus filhos, e não os tendo a sua irmã Maria, e na falta desta a seus irmãos. Deixo a minha sobrinha Maria filha de meu compadre José Silveira Soares de Sou digo de Bitencourt a quantia de hum conto de reis. O sitio de que acima falei a afª Inocencia e o que esta dentro dos antigos valos da estrada que seguia pa Fregª. Nsª dos Anjos, para o lado do sul, e por outros valos antigos que servirão de devisa entre mim José Francisco Pacheco Deixo a meu primo Inocencio José de Souza o rendimento de três contos de reis em Apolices da divida publica e por sua morte a seu filho Claro José de Souza as mesmas Apolices no sobredito valor. Devido aos três filhos de meu falecido primo Thimoteo da Silva e Souza de nomes Manoel Thimoteo, D. Mª Franca, e D. Dorothea a cada hum uma a Apólice da Divida Publica de hum conto de réis. Deixo a meu sobrinho Manoel quatro escravos dos que possuo, por ele escolhidos. Instituo por meus testamenteiros em primeiro lugar o meu sobrinho”
“sobrinho José Batista Soares da Silva e Souza, em segundo a meu sobrinho João Batista Soares da Silveira e Souza Sobrinho, e em terceiro Snr José Inocencio Pereira e lhes peço que. por serviço de os e amizade para comigo aceitem e cumprão este meu testamento e aquele q. aceitar alem de sua vintena deixo hum conto de reis. Deixo a quatro orfãos pobres da Freguesia de N. Sasª dos Anjos quinhentos mil para ajuda de dote p/ o [...] casamento e a quatro orfãos pobres da cidade de Porto Alegre quinhentos mil na ocasião do casamento, quatrocentos mil aos pobres da cidade de Porto Alegre e quatrocentos mil reis aos pobres da Freguesia de N. Sª dos Anjos todas essas esmolas serão dadas á eleição de meu testamenteiro e a escrita do o juramento de dele no ato da conta do testamento, será mª exigência ou documento. Deixo a pessoa, enfermeiro, que maio bem me servir na ultima enfermidade, seja livre ou escravo hum conto de reis. Dos bens de que acima não dispus se para hum calculo de divisão em cinco partes três das quais somente o uso fruto deixo a meu”
“primeiro testamenteiro e sobrinho José Batista Soares da Silveira e Souza, e as outras duas partes o uso fruto a meu sobrinho segundo testamenteiro João Batista Soares da Silva e Souza sobrinho, pois a ambos instituo na dita proporção meus universais herdeiros com condição de somente gozarem do uso fruto, e por morte deles ficarão a seus filhos porem se falecerem sem filhos os ditos bens passarão aos outros netos de meu Irmão Manoel Silveira Soares, e na falta da descendência de meu Irmão passarão aos descendentes de minha meia Irmã em conformidade de q dispõem as Leis. Dou aos meus testamenteiros o tempo de sete anos para cumprirem este meu testamento, e nenhum dos meus legatários, os poderão obrigar a entrega de coisa alguma antes tem prazo: ficando a consciência deles o faze-lo antes se lhes for possível. Se entre aos q se julgarem com direito a minha herança houver algum q. por má índole, ou perversidade sobre coisas que não devesse obrar seja por. isso privado da herança ou legado a que aliás”
“teria direito. É minha vontade que meus bens se aumentem e continuem a existir pra família de meu Irmão Manoel Silveira Soares por isso recomendo a todos os meus herdeiros que vivão honrada e virtuozamente fieis a Religião de nossos Pais para que os bons costumes se perpetuem em nossa Família. Este é o meu testamento que quero tenha todo o vigor e completa execussão tendo da melhor forma que em Direito valer possa, e se poder o escreverei em duplicado, ou triplicado para evitar o transtorno que de sua perda poderá não gerir-se, o que em nada influirá para sua validade, e basta ser por mim escrito para que por falta de formulas que podem mudar-se sem minha culpa ele deixe de ser valido, e rogo as Justiças a cujo Autoridade fique atento o fação valer como se não tivesse falta nascida da minha ignorância, do esquecimento ou do pouco tempo de que nesta ocasião posso dispor. Distrito da Freguesia de Nossa Senhora dos Anjos 18 de Janeiro de 1870.”
Os Herdeiros
De João Batista Soares da Silveira e Souza aos dez dias do mês de outubro de mil oitocentos setenta e nove, nesta Secretaria do Governo da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, compareceu João Batista Soares da Silveira e Souza, naturalizado cidadão Brasileiro por Casta Imperial de 19 de julho ultimo, e, perante mim em execução e de conformidade com as disposições dos antigos 5º e 6º do Decreto nº 1950 de 12 de julho de 1871, prestou juramento de obediência e fidelidade à Constituição e ás Leis do Pais, jurando ao mesmo tempo reconhecer o Brasil por sua pátria daquele dia em diante, e na mesma ocasião declarou ser Católico Apostólico Romano, natural da Ilha de São Jorge, Reino de Portugal, Casado com brasileira, da qual tem três filhos, a saber: João, com seis anos de idade, Antonio com cinco anos e Maria com dois e meio anos de idade, nascidos na Freguesia de N. Sª dos Anjos d' Aldeã, município desta cidade de Porto Alegre. E para constar se lavrou o presente termo que é assinado por mim e pelo naturalizado.
De José Batista Soares da Silveira e Souza
Ao primeiro dia do mês de Outubro de mil oitocentos setenta e nove, nesta Secretaria do Governo da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, compareceu José Batista Soares da Silveira e Souza, naturalizado Cidadão brasileiro por Carta Imperial de 14 de Junho do corrente ano, e, perante mim, em execução e de conformidade com as disposições dos artigos 5° e 6° do Decreto n° 1950 de 12 Junho de 1871, prestou juramento de obediência e fidelidade á Constituição e ás Leis do império, jurando ao mesmo tempo reconhecer o Brasil por sua pátria daquele dia em diante, e na mesma ocasião declarou ser Católico, Apostólico Romano, natural da Ilha de S. Jorge, Reino de Portugal, casado com brasileira da qual tem três filhas a saber: Maria José com sete anos de idade, Maria Domingas com quatro anos e Cipriana, com três anos, todas naturais desta cidade de Porto Alegre. E para contar se lavrou o presente termo, que sai por mim assinado e pelo naturalizado.
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